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RETRO2023/Donato e Astrud

João Donato e Astrud Gilberto morreram em 2023. Na minha breve retrospectiva do ano que está terminando, trago o que escrevi logo que soube das mortes.

Em abril de 1975, Gal Costa cantou pela primeira vez em João Pessoa. Fez dois shows no Teatro Santa Roza. Era a turnê do álbum Cantar, lançado em 1974. Quem fazia os teclados era João Donato. Tinha 40 anos e, num número solo, cantava Lugar Comum, melodia sua, letra de Gilberto Gil. “Beira do mar/Todo mar é um/Começo do caminhar/Pra dentro do fundo azul” – Gil já gravara, um ano antes, no seu álbum ao vivo no Tuca.

Lugar Comum sempre remete à profícua parceria entre Donato e Gil, fortemente explicitada no álbum de 1975 cujo título é o mesmo da canção. Bananeira, número obrigatório nos shows de Donato, também é melodia sua letrada por Gil. Assim como A Paz, talvez a mais popular das músicas que surgiram do encontro dos dois artistas. João Donato compôs uma série de temas instrumentais (Leilíadas). A Paz é uma delas e a única que se tornou realmente popular.

“Minha música vem da/Música da poesia de um poeta João que/Não gosta de música”. O poeta João que não gostava de música era João Cabral de Melo Neto. “Minha poesia vem/Da poesia da música de um João músico que/Não gosta de poesia”. O músico João que não gostava de poesia era João Donato. Os versos agora reproduzidos são o que Caetano Veloso, no lugar de um autorretrato, chamou de Outro Retrato, música de 1989. Falam do tamanho de Donato e da importância dele no trabalho de Caetano.

Na manhã deste 17 de julho de 2023, a morte de João Donato (Foto/Cristina Granato/Divulgação) surpreendeu os músicos e as pessoas que acompanhavam o seu caminho e por ele nutriam grande admiração. Acreano nascido em 1934, Donato tinha 88 anos e estava hospitalizado no Rio de Janeiro desde o início do mês, depois que foi diagnosticado com uma pneumonia.

João Donato deixou o Acre nos anos 1940 e se estabeleceu no Rio. Começou no acordeon e depois aderiu ao piano. Foi aluno de Moacir Santos como muitos dos nomes associados à Bossa Nova. Está associado à Bossa Nova, mas, a rigor, não era exatamente um bossanovista. Sua música vem de uma fusão muito singular do samba brasileiro com os ritmos cubanos e o jazz americano.

Era um mestre. Donato e suas melodias. Donato e seu piano econômico. Donato e seu balanço. Donato e sua voz pequena a cantar os muitos temas instrumentais que compôs e que ganharam letras dos seus parceiros – Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque, Lysias Ênio, esse último, seu irmão. Donato conquistou muitos ouvintes entre nós, as pessoas comuns que apenas gostam de ouvir música, mas, na verdade, ele foi, o tempo todo, um músico que fez música para músicos e, por esses, foi reverenciadíssimo.

João Donato gravou muito, no Brasil e nos EUA. Seus discos estão aí. É só ouvi-los. Donato veio de longe, de sete décadas atrás, mas nunca parou e nunca deixou de dialogar com todos. Era essencialmente moderno, moderníssimo. Seus parceiros podiam ser tanto os mestres da Bossa Nova, como João Gilberto, quanto os jovens instrumentistas de São Paulo com quem um dia desses gravou Donato Elétrico, ou o filho Donatinho, com quem gravou, em meio a sintetizadores, um delicioso disco retrô à moda dos anos 1970.

João Donato era João Donato. Singularíssimo como a sua música. Único Mesmo. Grande, muito grande, ainda que tenha ficado meio à margem do sucesso. Ouçam A Bad Donato e vejam a quantas já estava a cabeça dele há mais de 50 anos. A música de João Donato está no fundo do quintal do nosso olhar, olhar do coração. Água! Água!

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Astrud Gilberto morreu nos Estados Unidos neste cinco de junho de 2023. Tinha 83 anos e estava completamente esquecida pelo Brasil de tão grandes esquecimentos. Astrud é a cantora que deu voz à Garota de Ipanema (música de Antônio Carlos Jobim, letra de Vinícius de Moraes) no mundo. Foi seu maior feito e não foi feito pequeno. Era mãe de Marcelo, filho do casamento com João Gilberto.

Quem noticiou a morte de Astrud Gilberto foi sua neta Sofia: “Minha vovó fez essa música pra mim, se chama Linda Sofia. Inclusive ela queria que meu nome fosse Linda Sofia. A vida é linda, como diz a música, mas venho trazer a triste notícia que minha avó virou estrela hoje e está ao lado do meu avô João Gilberto. Astrud foi a verdadeira garota que levou a bossa nova de Ipanema para o mundo”.

A baiana Astrud se projetou em escala planetária acidentalmente. Em  março de 1963, ela estava no estúdio durante as gravações do álbum Getz/Gilberto para o prestigiadíssimo selo Verve. O disco – com seis músicas de Tom Jobim, uma de Dorival Caymmi e uma de Ary Barroso – promovia o encontro de João Gilberto com o saxofonista americano de jazz Stan Getz. Astrud nunca havia atuado profissionalmente como cantora, mas acabou fazendo as partes em inglês das versões bilíngue de Garota de Ipanema e Corcovado.

Ao perceber o potencial de Garota de Ipanema, o produtor Creed Taylor, um dos maiores do jazz, não teve dó nem piedade de João Gilberto. Limou a sua voz e lançou The Girl From Ipanema em single só com a voz de Astrud na versão em inglês escrita por Norman Gimbel. Na edição feita para o compacto, ouve-se o violão de João acompanhando a voz da cantora. Astrud canta a letra em inglês, depois vem o solo de sax de Stan Getz e, em seguida, o piano econômico e inconfundível de Tom Jobim.

Curioso que Creed Taylor produziu as sessões de Getz/Gilberto em 1963, mas só lançou o material no ano seguinte. O single disputou muito bem postos nas paradas com as canções dos Beatles. Já o LP ficou em segundo lugar entre os mais vendidos, enquanto os Beatles atingiram o topo com o álbum A Hard Day’s Night. The Girl From Ipanema deu um Grammy a Astrud na premiação de 1965 e seguiu seu caminho como uma das músicas mais executadas e mais gravadas no mundo.

Separada de João Gilberto, Astrud continuou cantando profissionalmente, dividida entre a bossa nova, o jazz e os standards da música americana. O LP The Astrud Gilberto Album é antológico. Tem 11 faixas. 10 de Tom Jobim, uma de Dorival Caymmi. Tem arranjos, a voz e o violão de Tom em Água de Beber. Tem o piano de João Donato, o sax de Bud Shank e os trabalhos técnicos do grande engenheiro de som Rudy Van Gelder.

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