Caetano Veloso, meu pai, comunistas e as tais fotografias
Caetano Veloso acabou há pouco a grande turnê que fez com sua irmã Maria Bethânia e já está na estrada outra vez. Agora em 2025, ele vai se apresentar em diversos festivais. A estreia foi sábado (17) em Curitiba.
Vi o set list do show, li comentários e fiquei motivado a mexer um pouco na memória afetiva. É o que faço na coluna desta quarta-feira, 21 de maio de 2025.
Descobri Caetano em 1967. Ele tinha 25 anos. Eu, oito. As duas primeiras lembranças são do programa Esta Noite se Improvisa e do III Festival de MPB da TV Record.
No programa comandado por Blota Júnior, Caetano notabilizou-se pelo conhecimento que tinha da nossa música popular. O apresentador dizia “a palavra é…”, e o convidado apertava um botão e cantava uma música que contivesse aquela palavra.
Recordo-me como se fosse hoje. Blota Júnior disse: “a palavra é gaiola”. E o jovem Caetano Veloso cantou: “sabiá na gaiola fez um buraquinho…”. Já no festival, conquistou-me com Alegria, Alegria. Eu e meu pai, que tinha 35 anos.
No festival de 1967, a sua Alegria, Alegria e Domingo no Parque, de Gilberto Gil, botavam guitarras elétricas na MPB e davam início ao movimento tropicalista.
Como Caetano Veloso, meu pai nasceu no dia sete de agosto. Seis anos antes. Como Caetano Veloso, meu pai era ateu. Só que era comunista.
Caetano aprendeu com o pai que pior do que um comunista é um anticomunista e, aos três anos, levou a bandeirinha da União Soviética pelas ruas de Santo Amaro da Purificação, na comemoração da vitória das forças aliadas, em 1945.
Quando eu tinha 10 anos, em 1969, meu pai me pediu para ir a uma banca comprar a revista com a cobertura da execução do líder da guerrilha urbana Carlos Marighella.
Era a mesma revista que trazia as primeiras fotos de Caetano Veloso (e Gilberto Gil) no exílio londrino. Ao longo dos anos, ouvimos juntos as suas canções.
Meu pai era astrônomo. Nos anos 1960, foi rastreador de satélites para um programa científico do Instituto Smithsonian, que fornecia dados para a NASA.
No Brasil, aquele programa mundial de rastreamento de satélites tinha apenas dois representantes: um padre, em Minas Gerais, e meu pai, no seu modestíssimo posto de observação construído no quintal da nossa casa, em Jaguaribe.
Ele não era um comunista dogmático. Embora torcesse mais pelo êxito do programa espacial soviético, não se via impedido de trabalhar voluntariamente para os americanos, cujos astronautas, certa vez, nos brindaram com as primeiras fotografias da Terra vista de longe. Aquelas que emocionaram Caetano Veloso na prisão, em 1968.
“Quando eu me encontrava preso, na cela de uma cadeia/foi que eu vi pela primeira vez as tais fotografias/em que apareces inteira, porém lá não estavas nua/e sim coberta de nuvens/Terra, Terra…”.
Sentimos juntos (eu e meu pai) o impacto de Terra quando ouvimos a canção pela primeira vez, em 1978. Ela abria o LP Muito, que também trazia Sampa.
A crítica arrasou o disco; como a esquerda (ou boa parte dela). Caetano era alvo fácil das patrulhas ideológicas porque discordava da macrovisão da esquerda, ouvi isso dele.
Meu pai não era sectário e admirava não só o talento musical e poético de Caetano Veloso, mas a sua lucidez ao tratar dos destinos do Brasil.
Anos atrás, numa conversa com Caetano, mencionei dois momentos do discurso que ele fez durante a apresentação de É Proibido Proibir: “Se vocês forem em política como são em estética, estamos feitos” e “então é esta a juventude que diz que quer tomar o poder?”.
Em 1968, sob as vaias da plateia daquele festival à sua canção, Caetano Veloso falava do que testemunharíamos no Brasil de muitos anos na frente.
Quando perguntei o que ele achava das duas frases, confesso que Caetano me frustrou. Disse apenas que são óbvias. Não são. O tempo e os impasses brasileiros confirmaram a força delas e o seu caráter premonitório.