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Crônica: sobre sotaques, modos de caminhar, costumes, preconceitos


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– Drica, “amiga velha”!

Permita-me lhe chamar de amiga, pelo apelido que você mantinha no Instagram antes de encerrar a sua conta, mesmo eu não lhe conhecendo ainda.

Calma, vou te explicar.

É que eu tenho um tio querido, que morreu no ano passado, que iniciava toda a sua conversa com essa expressão.

“Amigo velho!”, “Amiga velha!”.

Ele empostava a voz, que saía alta e envolvia de forma definitiva todos que estivessem no ambiente. Falava numa sonoridade nossa, naquele vozeirão típico de quem se cria e se faz na zona rural do Cariri paraibano, fazendo automaticamente seu interlocutor se voltar ao que ele tinha a dizer.

Era um gesto bonito, curioso, interessante.

Porque tinha o apelo pela devida atenção, exigência por respeito, ao tempo que era a pura docilidade fraterna.

Pois é nesse tom que eu me dirijo a você. De forma cordial, acima de tudo, mas pedindo-lhe a máxima atenção e o mais irrestrito respeito.

Entenda…

Você não pode jamais falar do sotaque de ninguém.

Primeiro porque ele não é feito para ser “fofo” nem muito menos para que você o ache “bonitinho”.

Aliás, não use esses argumentos para tentar se justificar.

Isso aí não é elogio, mas reles tentativa de tornar minimamente palatável preconceitos e o mais puro e violento incômodo por tudo o que é visto como “diferente” por você.

Não se trata também de uma “mania” passível de lhe irritar.

Inclusive, desculpe se vai parecer duro, mas nem tudo o que se passa em seu entorno tem você como destino final.

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A vida segue seu rumo à revelia de suas opiniões. Guarde-as para si, portanto.

Até porque, não se trata de simples opinião sobre um modo de falar, sobre a musicalidade de uma voz, sobre gostar ou não de uma expressão regional.

Muito pelo contrário, é um ataque a toda uma subjetivida paraibana, a costumes de um povo, a tudo aquilo de mais caro que nos faz se reconhecer como uma identidade coletiva.

Ademais, não zombe de nosso caminhar.

Não sei se você sabe.

Mas desde o início do século 20 o antropólogo francês Marcel Mauss já refletia sobre “as técnicas do corpo” e sobre como um jeito específico de andar, de nadar, de marchar, por exemplo, permitiam entender costumes, hábitos e modos de viver de uma dada comunidade.

Quando você ironiza o nosso arrastar de pés em sandálias, acredite, você não está sendo engraçada.

Você está sendo agressiva, transformando em ironia doída e desnecessária hábitos nossos que, talvez, denunciem nada mais do que um jeito de viver em harmonia com nossas belezas naturais e com nosso calor convidativo.

Oxe, menina, deixe disso.

Arrastar de pé é um jeito de demonstrar despreocupação, tranquilidade, acolhimento inabalável e sem pressa. Remete também ao nosso forró, a um certo ritmo de viver e existir.

Ah…

E só mais uma coisa.

Não carece não de se explicar mais.

Deixa isso para lá, é melhor.

Você já demonstrou que consegue piorar tudo ainda mais quando tenta justificar os seus atos.

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Phelipe Caldas

Jornalista, escritor, mestre (UFPB) e doutorando (UFSCar) em antropologia social. Pesquisa os atos de torcer no futebol. Autor de cinco livros.

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