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Viva Vladimir Carvalho!

Foto/Reprodução.

Se estivesse vivo, Vladimir Carvalho faria 90 anos nesta sexta-feira, 31 de janeiro de 2025. O cineasta paraibano morreu em Brasília no dia 24 de outubro de 2024.

Estive com Vladimir Carvalho pela última vez no Fest Aruanda de 2019. Ele veio a João Pessoa lançar Giocondo Dias: Ilustre Clandestino.

O documentário se debruçava sobre a trajetória do baiano Giocondo Dias, que sucedeu Luís Carlos Prestes no comando do Partido Comunista Brasileiro.

Em homenagem a Vladimir, comunista histórico, fui à exibição vestindo uma camiseta vermelha com a foice e o martelo impressos em amarelo sobre o peito.

Na saída do cinema, Vladimir me disse que pensou em usar no filme a música Um Comunista, que Caetano Veloso compôs em homenagem a Carlos Marighella. Disse e cantarolou baixinho ao meu ouvido: “Os comunistas, os comunistas…”.

Veio a pandemia, e nunca mais vi Vladimir. Mas a ausência física foi compensada por frequentes telefonemas que ele passou a me fazer.

Nada de whatsapp, mensagens de áudio. Nada disso. Eram telefonemas à moda antiga, longas e prazerosas conversas que se estendiam por duas, três horas.

O cinema dominava as nossas conversas. O neorrealismo dos italianos mais do que a nouvelle vague dos franceses, os westerns de John Ford, os filmes de Elia Kazan, o Paisà de Roberto Rossellini, o Rocco e Seus Irmãos de Luchino Visconti, o Gaviões e Passarinhos de Pier Paolo Pasolini, a genialidade do nosso Glauber Rocha.

Digamos que era o cinema segundo Vladimir Carvalho – um verdadeiro tesouro. Eu, ouvindo mais do que falando. Vez por outra, fazendo uma sugestão: “Vladimir, vá ver Zona de Interesse, é impressionante”. Não sei se chegou a ir.

Havia também os amigos daqui nessas conversas ao telefone. Gonzaga Rodrigues, um dos mais mencionados, seu colega nos bancos do Liceu Paraibano e amigo da vida toda.

Em junho de 2023, quando Gonzaga Rodrigues fez 90 anos, pedi que Vladimir Carvalho escrevesse algo para esta coluna. Ele atendeu prontamente e ditou o artigo ao telefone, palavra por palavra, vírgula por vírgula. Destaco o seguinte:

“O poema-crônica que compôs no transcurso dessas seis últimas décadas é painel imperecível que tem o espírito da terra e do homem do povo, numa clave que dá caráter universal que só dignifica a cultura local e as letras no Brasil”.

Não faltava também Caetano Veloso, de quem Vladimir ficou amigo em 1962, quando foi cursar filosofia na Universidade da Bahia e teve Caetano como colega de turma.

Foi Caetano que, com singular propriedade, disse que há pessoas que se engrandecem quando aderem a uma causa, mas que, com Vladimir Carvalho, se deu justamente o inverso: com sua adesão, foi ele que engrandeceu a causa comunista no Brasil.

Havia mais cinema do que política nas nossas conversas, mas José Sarney fez parte delas mais de uma vez. “A história vai recuperar o papel de Sarney”, me disse Vladimir.

Ao que respondi: “Seu amigo Onildo, meu pai, comunista como você, já dizia isso na época em que Sarney foi presidente e fez a transição da ditadura para a democracia”. Ele ficou surpreso, mas feliz: “Onildo era um danado!”.

Na nossa última conversa, uns dois meses antes da sua morte, contei que, da janela da casa onde moro, a 50 metros da Mata do Buraquinho, reserva de Mata Atlântica, todos os dias vejo um casal de carcarás em cima dos galhos de uma árvore.

Vladimir tomou os carcarás como mote e disse: “Você não sabe, eu vi o Opinião várias vezes, Paulinho Pontes me botava pra dentro sem pagar ingresso”.

E prosseguiu: “Tinha a força de um negro do Nordeste e de um negro do Rio de Janeiro, João do Vale e Zé Keti, os dois juntos no mesmo palco. Fiquei siderado”.

Da minha parte, a pergunta inevitável: “Você viu o Opinião com Nara Leão ou com Maria Bethânia?”. E a resposta, arrasadora: “Vi com as duas!”.

Nara Leão era irresistível, mas Maria Bethânia impressionou muito mais. O incrível domínio do espaço cênico, que já tinha aos 18 anos, a luz em cima dela e o canto que ecoaria pelas décadas seguintes: “Carcará! Pega, mata e come!”.