entenda investigação de empresa de criptoativos
Uma empresa gestora de criptoativos localizada em Campina Grande, na Paraíba, foi alvo de polêmicas envolvendo suposto “calote” que começou com a falta de pagamentos da Braiscompany, o que estaria prejudicando os rendimentos de valores aplicados.
A empresa, idealizada pelo casal Antônio Ais e Fabrícia Ais, era especializada em gestão de ativos digitais e soluções em tecnologia blockchain. Os investidores convertiam seu dinheiro em ativos digitais, que eram “alugados” para a companhia e ficavam sob a gestão dela pelo período de um ano. Os rendimentos dos clientes representavam o pagamento pela locação dessas criptomoedas.
A polêmica ganhou força após o ator paraibano Lucas Veloso expor situações negativas junto ao CEO e fundador da Braiscompany, ainda no fim de dezembro de 2022. O artista disse que sofreu um prejuízo por não ter o retorno financeiro prometido pela empresa. O valor seria investido em forma de patrocínio para um filme de Lucas.
O representante da Braiscompany negou a informação diversas vezes. Mas, o que seria apenas um problema pontual com Lucas Veloso, acabou levando clientes a relatarem atrasos nos pagamentos dos investimentos.
O Jornal da Paraíba explica detalhes sobre a polêmica envolvendo a empresa de criptoativos Braiscompany.
- Como funciona o sistema de criptoativos?
- Qual seria o problema apresentado pela Braiscompany?
- O problema vai ser solucionado quando?
- O que dizem os órgãos de investigação?
- O que diz a Polícia Federal?
- O que diz a Braiscompany?
- O que diz a Binance
- Quanto os clientes perderam?
- Quem são os sócios-fundadores?
Como funciona o sistema de criptoativos?
De acordo com informações divulgadas pelo próprio site da empresa, os clientes fazem uma compra de um valor mínimo de criptomoedas e a partir do contrato de locação assinado, o cliente passa a “custódia” desse criptoativo para a empresa, que opera rendimentos.
A empresa usa como exemplo a locação de um imóvel. Na Braiscompany, os clientes alugam criptoativos para ter rendimentos sobre eles. Em tese, a empresa apenas administra o valor, auxiliando o cliente “do início ao fim no processo de compra”.
Qual seria o problema apresentado pela Braiscompany?
De acordo com clientes, a Braiscompany estaria atrasando os pagamentos do rendimento em cima do valor investido na empresa. Os clientes têm a opção de sacar ou não o valor, mas mesmo sem escolher o saque, os pagamentos não estariam caindo.
Os primeiros atrasos teriam sido provocados por uma questão técnica, de acordo com a Braiscompany. O desenvolvimento de um aplicativo, criado para otimizar os processos internos e de comunicação, teria provocado a necessidade de redução de funções do sistema anterior ainda na fase de testes. Por conta disso, segundo a Braiscompany, os pagamentos estavam lentos.
Ainda de acordo com a empresa, depois do atraso ocasionado pelos testes, a Binance (corretora de criptoativos), passou a travar as operações e limitar a capacidade de pagamento a 10% do necessário, a cada 10 dias. A Braiscompany afirma que conseguiu aumentar o limite, mas a Binance voltou a restringir os mesmos pedidos anteriormente solicitados.
O problema vai ser solucionado?
Em nota divulgada pela Braiscompany, a empresa afirma que “a situação de liberação e bloqueio permanece diariamente, até a presente data, sem qualquer explicação”, mesmo com os contatos jurídicos que a empresa afirma ter feito junto à Binance. Não há previsão datada sobre a normalidade.
Importa todos saberem que essa situação é sistêmica e temporária, de modo que a qualquer momento retornaremos ao normal”, diz a nota.
O que dizem os órgãos de investigação?
O Ministério Público da Paraíba (MPPB) vai apurar denúncias contra a empresa de criptoativos Braiscompany, fundada e sediada em Campina Grande, Agreste paraibano. O procedimento foi instaurado no dia 26 de janeiro e veio à público no dia 6 de fevereiro.
De acordo com a nota, o promotor de Justiça de Campina Grande e diretor-regional do MP-Procon, Sócrates da Costa Agra, está apurando denúncias de alguns investidores que não estariam recebendo as remunerações acordadas em contratos com a empresa Braiscompany.
A assessoria do MPPB informou ao Jornal da Paraíba no final de janeiro que uma pessoa abriu um processo via ouvidoria para consultar a idoneidade da Braiscompany. Por conta disso, ofícios foram encaminhados a órgãos como o Procon Estadual e Municipal, a fim de investigar a empresa.
Segundo o MP, o processo foi arquivado porque o órgão não é consultivo. E, durante a apuração, o MP também teria averiguado que não foram encontrados “quaisquer indícios de irregularidade na atuação da Braiscompany Soluções Digitais e Treinamento LTDA”, de acordo com a decisão, que menciona ainda consultas feitas junto ao Banco Central e à Receita Federal.
O Ministério Público Federal da Paraíba (MPF-PB) informou que não há registros de reclamação formal contra a Braiscompany. O Procon Estadual (Procon-PB) também informou que não há queixas com relação à empresa registradas no órgão.
O que diz a Polícia Federal?
A Braiscompany foi alvo de uma Operação Halving da Polícia Federal no dia 16 de fevereiro, que teve como objetivo combater crimes contra o sistema financeiro e o mercado de capitais. As ações da PF aconteceram na sede da empresa e em um condomínio fechado, em Campina Grande, e em em João Pessoa e em São Paulo.
No dia 23 de fevereiro, aproximadamente R$ 15,3 milhões foram bloqueados de contas de pessoas vinculadas à Braiscompany. De acordo com a PF, os sócios da Braiscompany movimentaram cerca de R$ 1,5 bilhão nos últimos quatro anos, e estão foragidos.
Os sócios da empresa Braiscompany, Antônio Neto Ais e Fabrícia Ais, tiveram os seus pedidos de prisões temporárias convertidas em preventivas no dia 24 de fevereiro. Assim os seus nomes foram incluídos na lista de procurados da Interpol, a polícia criminal internacional que age em todo mundo. A informação foi confirmada pela Polícia Federal na Paraíba.
Em setembro deste ano a empresa foi alvo da 4ª operação da Polícia Federal para combater lavagem de dinheiro decorrente dos crimes contra o sistema financeiro e contra o mercado de capitais.
O que diz a Braiscompany?
A Braiscompany divulgou uma nota com esclarecimentos sobre o caso para a imprensa. A empresa afirma que está fazendo uso de “todos os mecanismos legais e de reserva para honrar os compromissos contratualmente agendados”. Diz, também, que paralelo aos esforços legais, “outras providências já foram tomadas que, por medida de segurança e orientações, não podemos revelar“.
No dia 17 de janeiro, a empresa divulgou uma nota de esclarecimento direta aos clientes, afirmando que mantém a transparência e que segue mantendo contato com os clientes apenas por meios oficiais. A empresa, que tem cinco anos de existência, promete apresentar inovações, apesar da crise.
Em março deste ano, Antônio Ais publicou uma nova nota e afirmou que o crescimento e sustentabilidade da empresa foram interrompidos por causa da queda do bitcoin e do mercado criptomoedas. Leia a nota na íntegra.
“Todavia, vários fatores começaram a prejudicar nosso crescimento e sustentabilidade: a queda do bitcoin e do mercado cripto como um todo; fatores como a quebra da FTX; sem falar na pressão de autoridades e entidades, nas quais a verdade sobre este assunto chegará o tempo, e tudo virá à tona”.
Antonio Ais também reitera a sua responsabilidade no caso e afirma ter tomado decisões erradas, apesar de não detalhar quais foram. Ele também comenta que foi “otimista em relação ao Brasil” e cita a realidade do país como fator determinante na situação da empresa.
“Errei em algumas decisões, talvez tenha sido muito otimista em relação ao Brasil (…). Empreender no Brasil é um desafio. Empreender inovando, o desafio é ainda maior”.
Por fim, Antonio Neto Ais pede perdão aos clientes lesados e diz que deseja “dias melhores a todos” e “que a verdade prevaleça”.
O que diz a Binance
A Binance enfatizou que “atua em total colaboração com as autoridades para coibir que pessoas mal intencionadas utilizem a plataforma”. Em nota, a corretora informou, por meio da assessoria de imprensa, que “não realiza quaisquer ações em contas que não sejam devidamente embasadas nos termos e condições, contratos e políticas vigentes e aceitos por todos os usuários. Todos os usuários da Binance no mundo têm acesso 24h, 7 dias por semana, à Central de Suporte da Binance, que oferece atendimento em dezenas de idiomas”.
“A exchange ressalta que tem uma equipe de investigação de renome mundial, com ex-agentes que trabalham em constante coordenação com autoridades locais e internacionais no combate a crimes cibernéticos e financeiros, inclusive no rastreamento preventivo de contas suspeitas e atividades fraudulentas.”
Quanto os clientes perderam?
A advogada Larissa Gatto, que representa 35 clientes da Braiscompany em um processo judicial, alega que essas 35 pessoas perderam pelo menos R$ 1,8 milhões.
Ela afirma que na conta da Braiscompany na operadora Binance, não existem mais fundos. A conta recebeu 7203 bitcoins ao longo de cinco anos e a mesma quantidade saiu, aproximadamente 870 milhões de reais, segundo Larissa.
“Como justificativa que a empresa deu é de que Binance esta travando as transferências. Eu resolvi rastrear as carteiras para saber se era verdade. Procurei a BlockSeer que já fez análise de mais de 200 carteiras da Braiscompany e enviei as carteiras dos meus clientes para eles. Quando o cliente fecha contrato com a Braiscompany eles dão um código de wallet para que seja transferido em cripto. Rastreamos e chegamos até esta conta, que existe desde 2018, teve 6891 operações e sua última ocorreu no dia 19/01/23 e se encontra zerada desde então”, explica a advogada.
Ela questiona porquê a Braiscompany não processa a Binance e também não demonstra os fundos dentro da sua carteira principal.
A advogada afirma ainda que hoje existem mais de 250 processos diferentes na Justiça contra a empresa, além de relatos de pessoas que venderam bens para investir na Braiscompany e estão hoje em uma situação muito difícil.
Quem são os sócios-fundadores?
A atração da Braiscompany está ligada à imagem de seu fundador, Antônio Inácio da Silva Neto. Ele adotou suas três primeiras iniciais como sobrenome e se apresenta como Antônio Neto Ais.
O empresário mantinha um Instagram com fotos bem produzidas, registros ao lado de celebridades e vídeos motivacionais. Quando o golpe estourou, sua rede social registrava 900 mil seguidores, que consumiam conteúdo sobre uma vida de luxo e sucesso individual.
Neto Ais é casado com Fabrícia Ais, que é sócia e co-fundadora da empresa. Os dois estão foragidos desde fevereiro deste ano.
Em setembro, o Jornal da Paraíba teve acesso ao relatório da Polícia Federal que afirma que ambos fugiram do país pela fronteira terrestre com a Argentina. Eles utilizaram os passaportes da irmã e do cunhado de Fabrícia.