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retomada ancestral resgata memória indígena paraibana

O caminho de volta

Foto: Arquivo pessoal

O historiador Givanildo Silva passou por um processo de reconhecimento de sua identidade Fulniô. Ele, que vive na Paraíba desde 2017, nasceu em em Catende-Pernambuco e sempre foi de conhecimento entre seus familiares sobre o sangue indígena que corria em suas veias.

“Até que numa conversa com Sassá Tupinambá, há uns 15 ou mais anos, quando eu falei que era descendente indígena, ele questionou: ‘quem é descendente indígena, o que é?’. Aí caiu a ficha que, na real, eu usava ser descendente sem o menor sentido, o único sentido era o etnocídio atuando para meu apagamento. Eu convivi com meu bisavô materno e a minha avó materna, ambos tinham muito presente a identidade, principalmente o meu bisa”, revelou.

Sobre o que é ser um indígena, Givanildo acredita que o aspecto biológico, como fenótipo e herança genética, não deve centralizar o debate, uma vez que esse processo de apagamento dos povos indígenas incluiu também o incentivo de relacionamentos entre nativos e colonos, por vezes de forma forçada.

“O que torna alguém nascido de um determinado grupo social, outra coisa, se não parte desse grupo? Penso que o aspecto biologizante, não é a melhor arena para esse debate, porque traz aspectos eugenistas e puristas, impedindo que pensemos mais amplamente, muito embora, o DNA mitocondrial indígena esteja presente em 34% da população, não pode ser o debate central, porém, a partir desse dado suscitar o debate sobre os processos que ocorreram desde a invasão ao território de Pindorama/Brasil, quais violências que foram impostas, principalmente contra as mulheres, que sofreram abusos sexuais e tal processo foi naturalizado e pouco problematizado o estupro”.

O historiador destaca a importância do reconhecimento por parte de um grupo daquela identidade, além da manutenção de memórias que incluem saberes e fazeres, apesar de ressaltar que nem todos os indígenas tiveram essa memória preservada.

“Mas e quem foi negado isso? Que não teve direito à convivência, à escolha? Pense que não é um debate simples. Eu tenho insistido que tem que ter muitos de nós pensando essas questões”.

Retomadas urbanas

Foto: Arquivo pessoal

A paraibana de Santa Rita Iasmin Soares, de 24 anos, começou a tomar consciência da própria identidade indígena durante a pandemia, ao ler um capítulo do livro “Olhares Negros: Raça e Representação”, de Bell Hooks. No capítulo, a autora fala sobre a união do povo indígena e negro na América. Foi então que a produtora audiovisual conversou com familiares e pode reconstruir a trajetória ancestral Tabajara-Kariri.  

“Entrei numa reflexão e me peguei pensando sobre tudo que já tinha escutado da minha avó paterna. Acendeu uma luz e cada vez mais fui conversando com ela, e então ela resgatou algumas informações importantes para o processo. Minha avó deu certeza que a avó dela era cabocla Tabajara que veio de Pirpirituba para tentar a vida em Santa Rita. Depois disso resgatei muitas histórias da família e pude reconstruir a trajetória”. 

O processo de retomada deu a Iasmin Soares o impulso de fazer o filme “Afluências”, que fala sobre a retomada ancestral indígena. O filme ganhou menção honrosa no Student World Impact Film Festival e Curta Taquary, Melhor Direção de fotografia de filme estudantil pela Associação Brasileira de Cinematografia e Melhor Filme Estudantil no Fest Aruanda.

“Com ele fui resgatando minha ancestralidade através de conversas com outras mulheres indígenas”. 

Iasmin Soares diz que entender suas origens transformou sua forma se enxergar e de ver o mundo. “Saber quem eu sou não tem preço. Mudou minha forma de ver o mundo, a forma que me vejo, como eu sinto minha espiritualidade, como me conecto com os meus ancestrais e com os troncos velhos que estão em terra. Posso dizer que me encontrei”, concluiu. 

Já Dendê Ma’at, que nasceu no Brejo da Paraíba, mas hoje mora em João Pessoa, diz que a consciência enquanto pessoa indígena sempre esteve dentro dela de alguma forma, por meio dos saberes transmitidos pelos seus avós. Contudo, a palavra “indígena” só veio após o contato com a Jurema, religião afro-indígena que possui fortes raízes paraibanas. 

Foto: Arquivo pessoal

“A consciência por mais que não fosse falada, veio através do modo que fui criada. Mesmo distante do território, já que a nação de minha família materna é do interior, a cosmo-percepção xegou através dos meus avós, com as medicinas, plantios, alimentação, dentre outros. Porém, a segurança de externar veio somente depois de adulta e tendo pesquisado muito sobre povos africanos e originários, foi na Jurema onde de fato obtive mais informações. A espiritualidade foi quem me ajudou nesse caminho”, contou ela.

A paraibana que é indígena Tarairiú/Otxukayone diz que na busca individual pela própria história, criou laços com outros indígenas, muitos deles também em contexto urbano e em processo de retomada.

“Estamos nos fortalecendo sobre nossa história, nossa língua, nossos grafismos, nossa cultura! E o caminho é coletivo, essa é nossa grande mudança quanto à perspectiva capitalista em que o indivíduo é mais valorizado”.

Para ela, esse processo é importante para, entre outros aspectos, compreender quem é e construir trocas de grande riqueza ancestral. 

“Reativar memórias para o caminho que tenho nesta presença de corpo. Compreendendo mais quem sou, consigo amenizar as violências que sinto cotidianamente. Sem contar o fortalecimento coletivo do encontro com taipwenes [parentes, na língua ketsekrá tarairiú] da mesma nação e de nações distintas. As trocas são de uma riqueza ancestral inexplicável como estar de volta em casa depois de uma longa viagem”, concluiu. 

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