a Cruz da Menina de Patos
Um milagreiro é uma pessoa considerada capaz de atender orações e realizar milagres. Na Paraíba, quatro meninas, que viveram entre o final do século XIX e meados do século XX, ganharam a devoção de pessoas que as escolheram como intermediárias entre o povo e Deus. São elas: Francisca, de Patos; a menina de Amparo; Dulce, de Dona Inês; e Maria de Lourdes, de João Pessoa.
O JORNAL DA PARAÍBA conta essas histórias na série ‘Santinhas, as milagreiras da Paraíba’, começando pelo Sertão, com a história de Francisca, uma devoção que já tem mais de 90 anos.
O que é um milagreiro
Um milagreiro é um santo popular, escolhido pela população como um intercessor, capaz de levar a Deus pedidos e orações, como explica o historiador Lucas Medeiros.
“Esses milagreiros populares, ou santos populares, como o próprio nome sugere, são pessoas que foram tratadas após a morte como objeto de devoção, como intermediadores com o sagrado. E isso não depende do reconhecimento oficial da igreja”.
Os milagreiros têm em comum histórias de vida marcadas por dificuldades e mortes trágicas ou injustas. Segundo o historiador Lucas Medeiros, essa característica “é talvez um dos elementos que mais mobilizem essas devoções”.
Em Patos, no Sertão da Paraíba, a Cruz Da Menina, que hoje é um santuário, ponto turístico e Patrimônio Cultural da Paraíba, vem da história de Francisca, uma criança obrigada a trabalhar desde cedo e morta pelas mãos de sua patroa.
Vida e morte de Francisca
Segundo a oralidade, os pais biológicos decidiram entregar a menina Francisca a um casal de Campina Grande, mas que morava na cidade, Absalão Emerenciano e Domila Emerenciano de Araújo.
A mulher, Domila Emerenciano de Araújo, maltratava a menina diariamente. O marido, apesar de não participar das agressões, era omisso.
Certa noite, no dia 10 de outubro de 1923, a menina Francisca, após terminar seus afazeres domésticos, ficou na janela observando as crianças da rua brincarem, já que era proibida pelo casal com quem morava de participar das brincadeiras.
Cansada do trabalho, a criança cochilou e acabou dormindo com a janela aberta. Isso foi o suficiente para que a ira de Domila fosse despertada. A menina foi brutalmente espancada e morreu.
Início da devoção
Domila e Absalão disseram aos vizinhos que Francisca teria fugido. Colocaram o seu corpo em um saco de estopa e ocultaram, na zona rural de Patos, próximo ao Sítio Trapiá.
Três dias depois, um agricultor chamado Inácio Lázaro encontrou o corpo da menina. A polícia chegou a investigar o caso, mas, como os algozes de Francisca tinham muitos amigos influentes, não foram presos. A revolta da população os “expulsou” para Campina Grande.
No local onde o corpo de Francisca foi encontrado, uma pequena cruz foi colocada. Os moradores passaram a acender velas em memória da menina mártir.
Diante de uma grande seca, um agricultor resolveu pedir ajuda à criança. Dias depois, ao cavar uma cacimba, encontrou um grande poço e conseguiu salvar a plantação. Esse foi o primeiro ‘milagre’ de Francisca.
Em 1929, a cruz virou uma capelinha que, no decorrer dos anos, passou a, cada vez mais, receber fiéis que tratavam a menina Francisca como uma intermediária entre Deus e o povo do Sertão paraibano.
Os anos foram se passando e a tradição segue viva, com centenas de fiéis visitando diariamente o parque, que é aberto das 5h às 17h.
Devotos e graças
Entre esta multidão de fiéis, está Dona Maria do Socorro da Silva Diniz. A aposentada conhece a história de Francisca desde criança, mas foi na fase adulta, quando virou mãe, que teve um pedido atendido pela menina de Patos.
A aposentada conta que um dos seus filhos nasceu com a língua presa e teria que fazer uma cirurgia. A mulher fez uma promessa à Menina Francisca, que, caso o filho não precisasse de cirúrgia, colocaria o nome dele de Francisco, em homenagem à milagreira.
“Quando eu vim da maternidade, aí eu fiz uma promessa. Se Santa Francisca me valesse, que ele não precisasse ser operado, eu botaria o nome dele de Francisco”.
Maria do Socorro continua contando que uma certa manhã, o filho conseguiu mamar, algo que o bebê não conseguia fazer por causa da condição da língua presa. “Eu senti que ele puxou o meu peito que doeu, eu chorei de alegria”.
A promessa foi cumprida e Maria do Socorro colocou o nome do bebê de Francisco, além de ter passado a devoção para todos os seus filhos. Um deles, Givanildo da Silva Diniz, mora no Rio de Janeiro há quase 40 anos, mas, sempre que volta a Patos, visita a Cruz da Menina. Ele conta que teve uma graça alcançada com auxílio da milagreira: sua filha está se formando em medicina.
“Eu pedi que a minha filha entrasse no curso de medicina e hoje minha filha cursa medicina no Rio de Janeiro, na faculdade particular, que ela conseguiu passar pelo Enem. Se Deus quiser, ano que vem minha filha se torna médica, né? Para mim, nordestino ter três filhos formados, é uma grande vitória. E eu agradeço aqui à minha santa que sou devoto“.
Thales Moura não conhecia a cidade de Patos, muito menos a Santa Francisca. Era um adolescente, de Guarabira, em 1999, pensando em passar no vestibular.
Recebeu da avó uma recomendação de alguém que poderia ajudá-lo a passar na prova: a Menina Francisca. Thales seguiu o conselho da avó, rezou para Francisca e conseguiu passar no vestibular.
O analista de sistemas foi até Patos agradecer e criou uma relação de devoção com a santinha, vínculo ainda mais fortalecido quando se casou com uma patoense.
Da cruz ao parque
A cruz virou uma pequena capela em 1929. Pela grande quantidade de visitantes, em 1993, foi inaugurado o Parque Religioso Cruz da Menina, na gestão do então governador Ronaldo Cunha Lima. No dia 24 de dezembro de 2020, o local foi reconhecido como patrimônio imaterial do estado.
Além da questão da fé, o Parque Religioso Cruz da Menina já se tornou um importante ponto turístico do Sertão paraibano, como destaca o gerente de Turismo da cidade, Túllio Xavier:
“Tem bastante tradição aqui no município, assim como também na execução de eventos como a encenação da Paixão de Cristo na Semana Santa, a Fecha de Pentecost, que leva cerca de um público de 30 mil pessoas no dia do evento. Então é um importante espaço turístico que temos aqui no município de Patos”.