RC 50 pode ser o fim de uma era

Foto/Reprodução.

Roberto Carlos vem de regiões profundas do ser do Brasil. A definição, fidelíssima à dimensão desse artista a quem chamamos de Rei, é de Caetano Veloso.

Lembro muito bem dele pelo menos desde a transgressão que havia em Quero que Vá Tudo pro Inferno, que é do final de 1965 e entrou pelo ano de 1966.

Gostei imensamente de Roberto Carlos na minha infância, perdi totalmente o interesse na juventude e fui reconquistado quando já passara dos 30 anos.

Gostei mais, gostei menos, mas nunca deixei de ouvi-lo. Seria impossível desde que seu disco anual se tornou uma tradição do Natal dos brasileiros.

Os especiais da Globo começaram em 1974 e reforçaram a tradição do álbum natalino. O primeiro que vi foi o de 1975, que teve Caetano Veloso como convidado.

Roberto Carlos visitou Caetano Veloso no exílio e, na volta, compôs Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos. De Caetano, gravou Como Dois e Dois.

As duas canções estão no álbum de 1971. É interessante porque são brados políticos de um artista que nunca se engajou nas manifestações contra a ditadura.

Caetano Veloso foi várias vezes ao especial de Roberto Carlos. Como Gilberto Gil, seu companheiro de Tropicalismo, convidado de novo nesse agora de 2024.

Todo mundo foi no especial de Roberto Carlos ao longo de meio século. Tom Jobim, Chico Buarque, Milton Nascimento, Gal Costa, Maria Bethânia, Djavan.

Os melhores da MPB, os da velha guarda, os popularescos, os sertanejos, os do rock, os da moda de cada ano, atores e atrizes da Globo. Todo mundo cantou com o Rei.

Em 2024, Roberto Carlos chegou ao especial de número 50 na Globo. É uma marca e tanto. Está com 83 anos, e o contrato de exclusividade acaba em 2025.

Especulação é o que não falta. Vai renovar, vai para o SBT, será substituído por Fábio Jr. no Natal de 2025. RC 50 é o último especial na Globo – foi o que mais se disse.

O programa exibido na noite de sexta-feira, 20 de dezembro, e disponível no Globoplay, foi gravado ao vivo durante um show no Allianz Parque, em São Paulo.

RC 50 foi um bom programa porque Roberto Carlos não sabe fazer show ruim. Mas já houve melhores, e este não estava à altura da comemoração dos 50 anos.

Gilberto Gil pela MPB, Zeca Pagodinho pelo samba, Chitãozinho & Xororó pela música sertaneja, Wanderléa pela Jovem Guarda – uma escalação correta.

Frejat, Paulo Ricardo e João Barone formaram um power trio para os números roqueiros. Sophie Charlotte, Dira Paes e Leticia Colin foram as atrizes convidadas.

No rock, faltou garra ao power trio. Nos dois números com as atrizes, Sophie Charlotte, que já fez Gal no cinema, se mostrou muito superior a Dira Paes e Leticia Colin.

Foi bonito ver Gilberto Gil e Roberto Carlos fazendo A Paz. É uma bela canção que evoca João Donato, e a letra de Gil combina com o universo poético do Rei.

Amigo trouxe a lembrança de Erasmo Carlos, e a presença de Wanderléa, sobretudo quando cantou Ternura, foi singelo tributo ao tempo da Jovem Guarda.

Ao lado de Pretinho da Serrinha, Zeca Pagodinho puxou Roberto Carlos para o samba, e Chitãozinho & Xororó ao menos nos livraram de Zezé Di Camargo & Luciano.

Uma canção inédita – Bicho Solto – não empolgou tanto quanto Esse Cara Sou Eu, último grande hit do artista, escolhida para abrir o repertório do RC 50.

Emoções, que há muitos anos abre os shows de Roberto Carlos, dessa vez ficou para o encerramento. Ele e os convidados – todos cantando juntos.

Não foi uma noite de grandes duetos nem de grandes números solo. O Rei me pareceu triste. Se estava, a longa estrada que já percorreu bem que justifica.