Leonard Bernstein é um dos músicos que mais admirei na vida e permaneço admirando. Digo que tirei um retrato dele. Ou que montei um painel com várias fotografias. Onde começou, não sei ao certo. Pode ter sido num velho LP do meu tio Humberto, que me ensinou a ouvir os eruditos.
É mais provável que tenha sido quando vi West Side Story no relançamento de 10 anos, na telona do Cine Tambaú. Um verdadeiro alumbramento. “All the beautiful sounds of the world in a single word” – você sabe quanta beleza esse verso encerra?
Ou será que foi com o Bernstein que usava a mídia para difundir a música clássica, mas também o jazz? E o transgressor que, junto com a atriz Felicia Montealegre, sua mulher, abria as portas do apartamento no Dakota para arrecadar dinheiro para os Panteras Negras que estavam presos?
Nos registros audivisuais daquela época, fiquei estarrecido com a imagem do mestro diante das orquestras que regia. Quanta expressividade, quanta intensidade, quanta paixão, quanto amor pela música, quanto amor pelos seres humanos, quanta “loucura”.
Regente extraordinário da Filarmônica de Nova York. Grande compositor. Notável pianista. Um artista erudito, fisgado, em algum momento, pelo rock dos Beatles. Eles, os Beatles, eram os melhores compositores desde George Gershwin – dizia, com destemida ousadia, o fabuloso maestro.
Leonard Bernsteim casou com Felicia Montealegre e com ela teve duas filhas (Jamie e Nina) e um filho (Alexander). Bernstein era gay, e Felicia sofria com a inserção dos namorados dele na vida do casal. Mas o amor do maestro pela atriz seguiu até a morte dela, em 1978. Ou à dele, em 1990.
No apagar das luzes do ano de 2023, Maestro chega a salas de cinema selecionadas e ao streaming para nos contar a história de Leonard Bernstein. Não, não. A história do amor de Leonard Bernstein e Felicia Montealegre. É mais preciso dizer assim.
Steven Spielberg e Martin Scorsese produzem. Carey Mulligan é Felicia, em atuação digna de Oscar. Bradley Cooper dirige e faz Bernstein. Faz, não. Ele “recebe” o personagem da cinebiografia. Às vezes, pensamos que estamos diante do próprio Bernstein.
Interessante. Maestro usa tela cheia e cor na abertura e no desfecho, que se passam no mesmo tempo, o tempo final da vida do maestro. Bernstein e Felicia, no começo do amor deles, a gente vê em preto e branco granulado e imagem com tarjas à esquerda e à direita, como era antes do advento do scope. Aos quase 50 minutos, a tela continua com o mesmo formato, mas o preto e branco é substituído pela cor, a cor de um filme de 50 ou 60 anos atrás.
Penso que essas variações mexem com o olhar do espectador. Há uma suavidade no preto e branco do amor jovem dos protagonistas. Mais tarde, as cores fortes retratam os conflitos, mas também o artista no auge da sua criatividade e das inquietações sobre o valor da obra autoral.
Bernstein sofria porque não enxergava contemporaneidade no que compunha – ouvi certa vez do maestro Eleazar de Carvalho. Bernstein e Eleazar foram amigos e tiveram o mesmo professor, o russo Koussevitzky. O professor, em rápidas aparições, é personagem do filme.
West Side Story, a música mais popular de Bernstein, é mencionada, mas quase não entra no filme. Apenas um pequeno trecho do Prologue, a abertura instrumental. On The Town entra um pouco mais, com os homens tirando o maestro de Felicia, sutil comentário sobre a homossexualidade dele.
No filme, a exuberante missa (Mass) que Bernstein compôs sob encomenda da família Kennedy surge com o compositor terminando o trabalho e se livrando dele. Felicia corre da sala em que está e submerge na piscina. É como uma alegoria sobre a libertação dela.
O momento musical mais arrebatador do filme é quando Bernstein rege a segunda sinfonia de Mahler, a sinfonia da Ressurreição. Bradley Cooper confunde o espectador. É como se não fosse Cooper, mas o próprio Bernstein diante de uma orquestra sinfônica, dentro de uma catedral, sob o olhar de Felicia.
Maestro é deslumbrante, belo, denso. Maestro é justíssimo tributo a Leonard Bernstein, Bernstein, Lenny. Maestro nos reaproxima desse que, no mundo da música, foi um dos artistas mais geniais do século XX. Sorte de quem foi contemporâneo dele.